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Nova Lei prevê inclusão de dados sobre raça em documentos trabalhistas





Comissão de Relações do Trabalho do Instituto Nacional de Proteção de Dados

Rafael Mosele, Presidente da Comissão de Relações do Trabalho do Instituto Nacional de Proteção de Dados – INPD. Membro do Comitê de Relações do Trabalho e LGPD do Instituto Mundo do Trabalho. Membro da Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados da OAB/PR - 2022-24.

Selma Carloto, Vice-Presidente da Comissão de Relações do Trabalho do Instituto Nacional de Proteção de Dados – INPD. Professora da FGV de MBA e Pós-graduação. Autora e coordenadora de obras sobre a Lei Geral de Proteção de Dados e de Compliance Trabalhista.

Débora Sirotheau, Membro do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade - CNPD. Vice-Presidente da Comissão Especial de Proteção de Dados do Conselho Federal da OAB. Presidente da Comissão Estadual de Proteção de Dados da OAB/PA. Membro da Comissão de Relações do Trabalho do Instituto Nacional de Proteção de Dados - INPD.


Janaina Lima de Souza, Membro da Comissão de Relações do Trabalho do Instituto Nacional de Proteção de Dados - INPD. Membro da Comissão de Governança e Compliance do Instituto Nacional de Proteção de Dados - INPD. Membro Relatora da Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados da OAB/PR - 2022-24. Membro Relatora da Comissão de Estudos sobre Compliance e Anticorrupção Empresarial da OAB/PR - 2022-24.


No último dia 24 de abril, o Governo Federal promulgou a Lei nº 14.553 [1], de 20 de abril de 2023, com o objetivo de disciplinar os procedimentos para a coleta de informações sobre a distribuição de diferentes grupos étnicos e raciais no mercado de trabalho brasileiro. Com a implementação desta lei, é necessário que todos os registros administrativos direcionados, tanto à Administração Pública quanto aos empregadores privados, incluam campos que identifiquem o segmento étnico e racial dos trabalhadores. Essa identificação deve ser feita por meio da autoclassificação em grupos já estabelecidos.


Essa exigência se estende a uma variedade de documentos e registros, incluindo formulários de admissão e demissão, registros de acidentes de trabalho, instrumentos do Sistema Nacional de Emprego, a Relação Anual de Informações Sociais, documentos para inscrição de segurados e dependentes no Regime Geral de Previdência Social e questionários de pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A lei também instrui o IBGE a realizar uma pesquisa a cada cinco anos para determinar a proporção de ocupação dos diferentes grupos étnicos e raciais no setor público, pois esses dados serão úteis para a implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial.


Apesar da aparente boa intenção do legislador em obter dados e informações para que seja possível promover a igualdade racial no Brasil, permitindo que as políticas públicas e práticas de emprego sejam mais eficazes na promoção da diversidade e da igualdade racial, aspectos como a inexistência na prática do dia-a-dia dentro das organizações, muitas vezes, de formulário de candidatura e de formulário de admissão, assim como a extinção da RAIS e a ausência de campos específicos no e-Social, podem tornar a lei inócua ou, ainda pior, atrair riscos aos empregadores privados.


Nesse aspecto, o que se propõe aqui, inicialmente, é que sejam tomadas medidas de adequação preventivas, com a criação ou separação do formulário de candidatura do formulário de admissão.


Formulário de candidatura X Formulário de Admissão


O formulário de candidatura consiste no instrumento utilizado ao longo de um processo de recrutamento e seleção, o qual é preenchido pelo candidato aspirante a um posto de trabalho, compreendendo habitualmente solicitação de informações de caráter pessoal, profissional e acadêmico e que podem auxiliar o empregador na avaliação da adequação do candidato à vaga de emprego. Este formulário deverá coletar apenas informações essenciais a esta avaliação, atendendo o princípio da necessidade e, consequente, minimização dos dados, previsto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD - Lei nº 13.709/2018) [2], como informações de contato, experiências profissionais pregressas, formação acadêmica, aptidões e competências, contribuindo para a identificação dos perfis mais promissores para uma subsequente entrevista ou outra fase do processo seletivo. Em regra, não devem ser solicitados dados pessoais sensíveis, salvo para vagas próprias destinadas à promoção da diversidade e inclusão.


Já, o formulário de admissão somente deve ser preenchido quando o candidato foi selecionado para a vaga, momento em que se está dando início formal ao seu vínculo de emprego com a organização. Este novo documento faz parte do processo efetivo de contratação e costuma incorporar informações necessárias para o registro do empregado na empresa, tais como detalhes do contrato de trabalho, informações bancárias para o depósito do salário, detalhes sobre benefícios e, a partir da Lei nº 14.553 [3], de 20 de abril de 2023, passará também a incluir a autoclassificação étnico-racial do novo empregado. Este formulário assinala a transição de um candidato para a condição de empregado da empresa.


O formulário de candidatura é, pois, diferente do de admissão, tendo por finalidade apenas e tão somente a avaliação e seleção de potenciais novos empregados durante o processo de recrutamento, enquanto o formulário de admissão é utilizado somente após a escolha ter sido efetuada, quando o candidato passará formalmente à condição de empregado da organização.


Princípios da Finalidade e da Necessidade


Os fundamentos da finalidade e da necessidade são preceitos essenciais da LGPD, guiando as organizações sobre como coletar, processar e armazenar dados pessoais. O fundamento da finalidade determina que a coleta e o tratamento de dados pessoais devem se destinar a objetivos legítimos, precisos, claramente definidos e previamente comunicados ao titular dos dados, sem a possibilidade de um posterior processamento incompatível com tais finalidades. Isso significa que as organizações precisam ser transparentes sobre as razões para a coleta dos dados pessoais e como pretendem utilizá-los.


O princípio da necessidade, por sua vez, restringe a coleta de dados ao mínimo exigido para a execução das finalidades propostas. As organizações devem assegurar que estão coletando apenas os dados estritamente necessários para alcançar os propósitos declarados, sem informações excessivas.


Princípio da “Não Discriminação”


O princípio da “não discriminação” é basilar na LGPD e assegura que o tratamento de dados pessoais não seja usado para propósitos discriminatórios, ilícitos ou abusivos. Este preceito reitera o compromisso com o tratamento equitativo e justo de todos os titulares de dados, o que significa que as organizações não podem empregar os dados coletados de maneira que possa lesar um indivíduo, como por exemplo, negando a este oportunidades de empregos em virtude de sua etnia, gênero, orientação sexual, entre outros atributos pessoais. Este princípio é vital para fomentar uma sociedade mais justa e inclusiva, onde todos os indivíduos sejam tratados com respeito, dignidade e igualdade de oportunidades.


Princípios da Transparência e Livre Acesso


Considerando o dever de informação do agente de tratamento para com o titular dos dados pessoais, acerca do tratamento de seus dados para o atendimento ao princípio do livre acesso, é de suma importância que ao realizar a coleta de dados sobre o segmento étnico e racial do trabalhador, no momento do preenchimento do formulário de admissão, as empresas informem de forma transparente, com linguagem clara e de forma adequada, por meio de seus Avisos de Privacidade, que essa coleta tem como finalidade o cumprimento de uma obrigação legal imposta pela Lei nº 14.553 de 2023, além, é claro, de comunicar as demais características referentes ao tratamento de dados, conforme previsão do artigo 9º da LGPD.


Requisitos Legais para o Tratamento de dados pessoais


Além da observância de princípios de proteção de dados, como os acima mencionados, a LGPD determina que o tratamento de dados pessoais para ser lícito deve estar sustentado em uma das bases legais previstas no artigo 7º ou no artigo 11º da Lei, a depender se o tratamento abrange dados pessoais comuns ou dados pessoais sensíveis.


O dado referente à origem racial ou étnica é considerado dado pessoal sensível, a teor do artigo 5º, inciso II, da LGPD.


Nesse caso, por tratar-se de uma coleta obrigatória de dados pessoais sensíveis, a base legal para o tratamento desses dados deverá ser o “cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador”, prevista no artigo 11, II, item a, da LGPD.


Faz-se necessário destacar que a determinação legal é explícita no que se refere ao preenchimento de campos com dados étnicos e raciais no formulário de admissão. Assim, caso a empresa colete esses dados no formulário de candidatura, esta hipótese legal não poderá ser invocada, e, caso não haja o enquadramento em outra hipótese legal, a referida coleta poderá resultar em tratamento excessivo e ilícito de dados pessoais.


Considerações finais


Assim, embora a intenção seja a promoção da igualdade étnica e racial, a coleta de dados sensíveis, potencialmente discriminatórios, no estágio de candidatura pode inadvertidamente levar à discriminação, mesmo que não intencional, no processo de seleção e recrutamento. Alerta-se, desse modo, que, se tal informação, for mal utilizada, ou mal interpretada, pode reforçar estereótipos ou preconceitos existentes, em vez de promover a diversidade e a inclusão. Portanto, é crucial ponderar cuidadosamente esses riscos e garantir que a coleta de dados pessoais sensíveis seja feita com licitude, ética, transparência e responsabilidade.


[3] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14553.htm

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